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Brasília
Um dos assuntos políticos mais sérios, atualmente, nos Estados Unidos, diz respeito à impunidade dos banqueiros de Wall Street, apontados como responsáveis diretos pela crise mundial. O movimento “Ocupe Wall Street” juntou uma multidão de perfil variado – líderes religiosos, sindicalistas, estudantes, jovens loiros e negros, judeus, árabes, hippies, engravatados, idosos como as vovós do movimento Granny Peace Brigade, e imigrantes –, para montar (e defender) um acampamento no parque Zuccotti, em Nova York.
Os ativistas estão angariando simpatizantes para se reunir no parque a partir da divulgação de fatos conhecidos por especialistas em Finanças, mas desconhecidos pela maior parte da população mundial, durante gerações e gerações. Não foi divulgado um “manifesto” propriamente dito, porém, pela rede social, especialmente via vídeos no YouTube, podemos analisar as ideias-chave desse movimento social. Deve-se observar se esse movimento dos “indignados” nos Estados Unidos, avesso aos partidos políticos, se contrapõe ao Tea Party, tendência direitista do Partido Republicano. Radicalmente, à direita e à esquerda, os “indignados” estão demonizando todos os banqueiros e o próprio sistema bancário, constituído pelo setor bancário e o público não bancário, isto é, todos nós, os clientes bancarizados. A que levará a ação coletiva, convocada via rede social, com a denúncia moralista da “corrupção” e/ou da “ganância”? O que se propõe no lugar do sistema bancário de pagamentos? Examinemos os argumentos. A surpresa dos leigos é que o dinheiro é criado como dívida, ou seja, empréstimos geram depósitos, e não o contrário. A cadeia gerada a partir desse crédito originário leva a um “empréstimo perpétuo”, pois os bancos lucram com o endividamento geral, tanto do governo, quanto do público. Qualquer corrida bancária para o resgate simultâneo de todos os depósitos em papel-moeda (ou outro lastro caso houvesse) levaria ao “feriado bancário”, isto é, à derrocada do sistema financeiro. Conjuntamente, seria a falência de todos os depositantes e investidores e, consequentemente, de todo o sistema capitalista. Nessa situação de CGC (Crise Geral do Capitalismo), naturalmente, os governos e os Bancos Centrais se reúnem para salvar os “bancos grandes demais para falir”. O que os indignados propõem fazer diante de uma situação dessa? Primeiro, mudar o próprio conceito de dinheiro, abandonando a ideia de moeda-dívida. Depois, fazer quatro simples perguntas aos governos. Por que os governos recebem empréstimos de bancos particulares e pagam juros se tem o poder de criar dinheiro sem juros à vontade? Por que criar dinheiro na forma de dívida e não criar dinheiro de circulação permanente, que não precise ser emprestado e reemprestado a juros, para continuar existindo? Como pode um sistema monetário baseado em crescimento perpétuo servir para construir uma economia sustentável? Por que o nosso sistema atual depende totalmente de crescimento perpétuo? Crescimento perpétuo e economia sustentável são obviamente incompatíveis. O movimento resgata o preconceito religioso sobre a usura, isto é, a cobrança de juros compostos sobre empréstimos. O argumento contra a usura era moral: ganhar dinheiro sobre dinheiro era visto como parasitagem ou roubo. Esse argumento moralista, no entanto, perdeu para o interesse direto dos empreendedores. Estes reconheceram que empréstimo envolve risco e perda de oportunidade para o emprestador, justificando a cobrança de juro para atender a demanda por empréstimo. Essa servidão, portanto, é voluntária! Os devedores foram solicitar empréstimos aos bancos para alavancar seus negócios. Hoje, em um mundo parasita e/ou rentista, a pergunta-chave tornou-se: por que trabalhar, se o dinheiro pode trabalhar para você? Os indignados reagem ao rentismo dizendo que, “se queremos um futuro sustentável, a cobrança de juros representa um problema prático e moral”. A conclusão acaba sendo muito ingênua ao não se explicitar como se enfrentaria os problemas decorrentes do radicalismo de acabar com a moeda-dívida, decorrente do multiplicador monetário com exigência de pequena reserva fracionária. A respeito da passagem de um sistema de livre mercado para o de sistema bancário estatizado não dizem muito como se daria a transição. Certamente, não seria pacífica, sem corrida bancária. O que seria feito do estoque de contratos vigentes? Os devedores seriam perdoados?! Os investidores perderiam tudo?! A dívida pública seria monetizada de manhã e a reforma monetária seria realizada à tarde, estabelecendo a paridade entre a moeda-velha e a moeda-nova? Aparentemente, a proposta dos indignados seria mudar o sistema capitalista, mas sem tremular alguma bandeira que acenda o anticomunismo norte-americano. No entanto, lendo suas ideias, acaba se percebendo o reacionarismo, isto é, a reação contra a evolução histórica. Não são conservadores, pois são bem intencionados, mas correm o risco de se tornarem reacionários, propondo a volta atrás na história financeira. Acabarão sendo pré-capitalistas! Outros defensores da reforma monetária acreditam que o principal problema seja moral, ou seja, a ganância e a desonestidade. Sendo questão de caráter (e polícia), é possível um sistema monetário justo e honesto, sem lastro em ouro. Na visão nacionalista típica dos norte-americanos, há abstração do resto do mundo. Acabam adotando algumas ideias paroquiais que serviriam no máximo para algumas comunidades locais, jamais para regular as relações financeiras e comerciais da economia mundial. É brandido, como é tradição na esquerda, o argumento apelativo de que os que não apoiam essa ideias ingênuas seriam “vendidos ao sistema”. Não creio, somos apenas racionais, não podemos fazer política, isto é, ação coletiva, somente com emoção. “Você pode enganar algumas pessoas todo o tempo, e todas as pessoas por algum tempo, mas não pode enganar todas as pessoas por todo o tempo.” Fernando Nogueira da Costa
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Há informações muito relevantes para a análise do cenário macroeconômico futuro da economia brasileira que os condutores de política econômica não costumam observar. Quando fui vice-presidente da Caixa e a representava na FEBRABAN, tive oportunidade de destacar o fenômeno para o próprio Ministro da Fazenda, em reunião no início da sua gestão em 2006. Ele indagou aos banqueiros: “como aumentar a relação entre o crédito e o PIB no Brasil?”
Diante do mutismo geral, respondi-lhe: “Incentivando o crédito imobiliário, Ministro. É crédito em longo prazo, cujo desembolso se faz ao longo da obra, portanto, ele entra e permanece na estatística durante muitos anos, ao contrário de crédito de giro rápido. O sr. poderá inclusive mandar construir um indicador antecedente a respeito de quanto o montante contratado multiplicará renda e emprego nos anos seguintes”. Não sei se ele me levou em consideração... O programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), iniciado em abril de 2009, entregou, até o fim de outubro de 2011, 438.449 moradias referentes à primeira fase, cujas contratações terminaram em dezembro de 2010. Isso representa 43,6% do total de um milhão de unidades contratadas. A expectativa é que todas as unidades sejam entregues até o último trimestre do ano que vem. O prazo de entrega dos imóveis está demorando entre 15 e 18 meses. Prazos superiores a 18 meses são pontuais, como construções com até 3 mil unidades, cuja entrega é realizada por módulos. Antes, essa média do prazo para entrega das obras era de 12 a 15 meses, menor do que os 15 a 18 meses de hoje. O que provocou esse aumento foi o crescimento do número de habitações por empreendimento, o que fez com que o tempo necessário para realização da obra fosse alongado. A média, que era antes de 300 unidades por condomínio, hoje está em 500, aumentando o período necessário para a conclusão. O desembolso é realizado de acordo com o ritmo das obras. Da segunda fase do programa, iniciada em janeiro de 2011, já foram entregues 115.190 casas. Somando as duas fases do programa, foram contratadas pela Caixa, até o fim de setembro, 1.265.933 habitações do MCMV, um total de R$ 72,6 bilhões de investimento. Os desembolsos totais do programa chegaram a R$ 30,4 bilhões, 42% do valor contratado até setembro deste ano. Em outras palavras, está, desde já, certo que serão desembolsados R$ 42,2 bilhões ao longo do próximo ano e meio. Este valor elevará ainda mais o efeito multiplicador de renda e emprego na indústria de construção civil. Porém, argumenta-se que a dificuldade do mercado para atender à demanda criada pelo programa habitacional é que tem feito os prazos para entrega das moradias se estenderem, principalmente atrasos relacionados à dificuldade de contratação de mão de obra. A construção civil alcançou o pleno-emprego? A contratação do crédito imobiliário terá de se desacelerar? Fernando Nogueira da Costa “Democracia da casa própria” é modelo universal? Na França, o modelo é o da locação social. O cidadão tem direito de acesso à moradia, desde que pague arrendamento, mas não à propriedade privada de habitação, financiada pelo Estado com subsídio, isto é, taxa de juros abaixo da estabelecida no mercado.
Porém, o modelo norte-americano da propriedade particular grassou não só pelos países anglo-saxões como também pela América Latina. Ficou conhecida a hipótese do economista peruano Hernando de Soto: os moradores das favelas sem escritura estariam sem garantia ou colateral para empréstimo e, logo, sem crédito hipotecário. Nesse encadeamento, estariam também sem dinheiro para alavancar negócio próprio. Sua hipótese era “dar vida a capital-morto”: com escrituras eles se tornariam donos de suas casas e, daí, microempreendedores. Essa hipótese neoliberal foi falseada na crise corrente. O comprometimento de grande parte da renda pessoal com o financiamento da casa própria levou aos devedores ficarem sem novos empréstimos e pior: com risco de mercado (perda de valor) e liquidez (dificuldade de venda do imóvel). O lugar-comum “sonho da casa própria” exige longo endividamento dos donos de imóvel, cujo valor de mercado pode cair ao longo do tempo, tornando-se inferior ao saldo devedor. É investimento inseguro e ilíquido. O problema do crédito hipotecário é que o imóvel dá segurança ao credor, mas hipoteca provoca endividamento em longo prazo. Sujeita, então, o devedor às agruras da inadimplência com a perda de ocupação (ou emprego) e renda para cumprir o serviço da dívida. Em termos de política pública para favelas, o “jeitinho brasileiro”, via Construcard da Caixa, é muito mais criativo (e humanista) do que a política de despejos domiciliar dos norte-americanos. Além da segurança em relação às remoções, conquistada na democracia brasileira, uma das políticas públicas que colaboraram para substituição de barracos provisórios por edificações mais sólidas e perenes foi a de facilitar a aquisição de materiais de construção, para reformar ou ampliar a casa, aliás, sob intensa crítica do setor imobiliário formal. Recentemente, a ideia dominante passou a ser a do apoio à iniciativa individual, com ênfase em programas de concessão de microcrédito, para tocar o próprio negócio, organizado de maneira espontânea. É outra panaceia? Assim como se comprovou que o crédito hipotecário não gera enriquecimento, o microcrédito produtivo orientado – grupo de aval solidário mais endividamento de mulheres empreendedoras pobres mais educação financeira – não pode ser visto, obviamente, como “a solução mágica” para acabar com a pobreza. É necessário, mas não é suficiente. A favela é vista, então, como zona potencial de microempreendedorismo. Ele se firmando, espera-se que se multiplicarão a renda, as ocupações profissionais e as benfeitorias (arruamento, saneamento, iluminação pública, etc.) para os moradores das favelas. Elas se transformariam, assim, em bairros populares. Fernando Nogueira da Costa _A elaboração processual de um plano econômico-social é postura política, pois se trata de ação coletiva, que difere da ideia ortodoxa de auto regulação dos diversos mercados livres em equilíbrio geral. Afasta-se a dicotomia entre Estado e Mercado, mas reconhece-se hierarquização no inter-relacionamento dos diversos mercados de maneira dinâmica: Mercado Interno – Mercado de Capitais – Mercado de Dinheiro – Mercado de Trabalho – Mercado de Câmbio – Mercado Financeiro Internacional – Mercado Externo – Bloco Regional, que é um Mercado Interno ampliado.
O desenvolvimento não se estabelece de maneira autárquica. Não se trata de um Estado Nacional isolar a economia e a sociedade, via protecionismo, mas sim de atuar, diplomaticamente, de maneira pró ativa na Governança Internacional. Afasta-se, então, outro falso dilema entre dirigir o desenvolvimento “para fora” (mercado externo) ou “para dentro” (mercado interno): nem será apenas Export Led, nem unicamente Domestic Led (ou Wage Led). São movimentos complementares e não excludentes, embora se reconheça que, dado o grau de abertura da economia brasileira, inclusive por sua disponibilidade de recursos naturais (terra agricultável, água, minérios, etc.) e humanos, o mercado interno tem peso significativamente superior. Na Composição do PIB brasileiro pela Ótica da Demanda, o consumo familiar poderá representar, grosso modo, 60%; o gasto governamental, 20%; o investimento, 18%; e exportação líquida, 2%. Na história econômica brasileira recente, esta foi superavitária apenas entre 2002 e 2008. O desenvolvimento brasileiro tem seus ícones em “terramarear”: em terra, a conquista do cerrado; em mar: a extração de petróleo em águas profundas; no ar: sua participação no mercado mundial de aviação regional. Sua matriz hidroelétrica também é símbolo do uso desenvolvimentista da abundância de água doce. É nítida a importância histórica de instituições de pesquisa tecnológica no Brasil, que foram questionadas na era neoliberal: Embrapa/IAC na produtividade da agroindústria brasileira; Embraer/ITA na indústria aeronáutica; Petrobrás na fronteira tecnológica da prospecção e exploração do petróleo em “águas profundas” do pré-sal; Eletrobrás e outras estatais para a matriz energética diversificada, entre outras fontes limpas, a hidroeletricidade e o biocombustível. As instituições financeiras desenvolvimentistas também demonstraram ser imprescindíveis ao desenvolvimento econômico-social: BNDES no financiamento da infra-estrutura e logística; Banco do Brasil no crédito agrícola; Caixa Econômica Federal no desenvolvimento urbano. Na Composição do PIB brasileiro pela Ótica da Oferta, grosso modo, a agricultura contribui com apenas 6%, a indústria extrativa, com 10%, os serviços de utilidade pública, a indústria de construção e a de transformação, com 18%, e os serviços, com 66%. Esta divisão de trabalho entre o setor primário, secundário e terciário, na realidade, não é válida. Em abordagem estruturalista, caberia um redimensionamento dessas atividades em termos de agroindústria, petroindústria, servindústria, etc. Um projeto estratégico na elaboração de um plano econômico-social seria a medição correta dessa matriz de setores de atividade, isto é, a verificação do inter-relacionamento entre a agroindústria, a indústria extrativa, a petroindústria, o biocombustível, seja o biodiesel a partir do complexo soja, seja o etanol produzido pelo complexo sucro-alcooleiro, todos voltados para a elevação da competitividade externa do País. Mas a contrapartida envolveria a medição do inter-relacionamento de todas as atividades voltadas principalmente para o mercado doméstico: hidroeletricidade, construção civil e pesada (execução de obras públicas), indústria de transformação, e a servindústria: o relacionamento dos serviços de transporte, telecomunicações, tecnologia de informações, sistema financeiro, etc., com a indústria de transformação. Tema estratégico para o desenvolvimento é a questão: como financiá-lo? A geração do funding necessário, seja via mercado financeiro internacional, seja via desenvolvimento do mercado de capitais, é possível de ser também planejada. Relaciona-se com o debate a respeito da securitização do crédito imobiliário para aquisição de recebíveis por parte das entidades de previdência complementar, transferindo então ativos de base imobiliária dos bancos para os fundos de pensão. Elevará, assim, a rotação de capital no financiamento habitacional e oferecerá alternativa ao carregamento de títulos de dívida pública. Por trás dessa solução está a coordenação dos instrumentos de política econômica de curto prazo. A política de juros, assumindo a tendência de queda da taxa de juros básica (Selic), face ao quadro recessivo mundial, não só facilitará a prefixação dos títulos de dívida pública, como também diminuirá os encargos financeiros do Tesouro Nacional. A política cambial, evidentemente, relaciona-se com o controle inflacionário. Tem de enfrentar a especulação de curto prazo, estabelecer o cupom cambial (taxa de câmbio esperada) adequado à paridade entre juro interno e juro internacional, mas sem esquecer dos outros fundamentos: o saldo do balanço de transações correntes e a paridade entre preços dos produtos nacionais e preços de produtos estrangeiros. Tudo isso relaciona-se com a produtividade alcançada pelos produtos exportáveis. Isto sem esquecer a importância circunstancial do controle de capital, isto é, de se estabelecer o grau de mobilidade do capital. Porém, o debate sobre a estratégia do desenvolvimento não paira no ar. Tem de ser localizado e datado, portanto, ter também compatibilidade com meio ambiente adequado. Em outras palavras, a dimensão do espaço e do tempo é imprescindível de ser também analisada. Como exemplo da questão regional, citamos a implementação dos transportes e o planejamento urbano da megalópole Campos-Campinas, alcançando também a Zona da Mata e Sul de Minas Gerais. O primeiro passo seria a medição da população e da renda atingida nesse 1% do território nacional. Grosso modo, estima-se em cerca de 40% cada uma dessas dimensões. A avaliação a interiorização do desenvolvimento é outro desafio. Novas regiões econômicas, como o oeste baiano, Tocantins e Mato Grosso, foram incorporadas ao mapa econômico brasileiro nas últimas décadas. Enfim, o desenvolvimento possui múltiplas dimensões físicas: para dentro, para fora; espacial e temporal. No tempo está a janela de oportunidade aberta pelo bônus demográfico que o País vive neste primeiro meio século do novo milênio. Coloca em pauta o debate sobre a previdência complementar, inclusive pela emergência da nova classe média, e a alteração da relação entre gastos (públicos e familiares) na educação e na saúde, devido ao envelhecimento da população brasileira. Portanto, em um plano econômico-social, a demografia não pode estar ausente. Como síntese fácil de ser memorizada, cabe a listagem de projetos de desenvolvimento emblemáticos, para a sociedade e a economia brasileira, que por seus efeitos de encadeamento para frente e para trás, certamente, estarão na agenda de pesquisa e/ou acompanhamento de economistas desenvolvimentistas: - Servindústria: educação e saúde com tecnologia de informações; PNBL (Plano Nacional de Banda Larga); trem-bala; - Construção: urbanização de favelas; saneamento básico; - Extrativa: mineração; petrosal; - Agroindústria: complexo da soja, inclusive biodiesel; complexo sucro-alcooleiro (etanol); complexo das carnes. - Indústria de Transformação: encadeada aos setores destacados, seja pelo fornecimento de insumos, seja pelo atendimento da demanda por seus produtos finais. Fernando Nogueira da Costa _Se você perguntar às raposas se as galinhas estão protegidas, certamente, elas responderão que sim! A imprensa em geral pergunta aos próprios profissionais do mercado imobiliário se há bolha de preços dos imóveis – ou quando ela estourará com queda geral dos preços dos “terrenos onde as galinhas ciscam”. As “raposas” negam, veementemente, com base nos seguintes argumentos.
A imensa maioria busca o primeiro imóvel próprio para morar, mal tem capital para investir, quanto mais para especular com a compra de outros, como ocorreu no caso da bolha norte-americana. Porém, uma minoria tem sobra de dinheiro. Quando o crédito fácil sustenta mercados imobiliários especulativos, adiciona-se outro componente, expectativa de alta, à avaliação dos preços das moradias, o que os afasta ainda mais dos fundamentos econômicos. Compra-se, de maneira apressada, porque se antecipa ainda maior valorização. Outro argumento é que o crédito com recursos da poupança, oferecido a taxa de juros entre 9,5% e 12% ao ano, mais indexador, ainda é caro, se comparado a qualquer país do mundo. Mas é barato em relação à época do regime de alta inflação, sem falar no caso do financiamento subsidiado com recursos do FGTS. Alega-se que o volume de crédito imobiliário em relação ao PIB, no Brasil, é muito baixo, tendo portanto potencial para crescer, porém se esquece que houve reestruturação patrimonial da Caixa. Não se contabiliza a capitalização dos empréstimos ocorridos nas décadas passadas. Foram “perdidas”... Supõe-se que a expertise dos bancos brasileiros na avaliação dos riscos dos empréstimos imobiliários, cuja aprovação baseia-se na capacidade de pagamento comprovada do mutuário, seria salvaguarda suficiente. Não se acautela com a possibilidade de súbita venda em massa dos imóveis – e fidúcia virar “mico”. A expressiva valorização de imóveis tem sido mais forte em regiões mais nobres de metrópoles. Preços de imóveis são estabelecidos muito mais em função do status da localização, isto é, valor de mercado dos terrenos, do que propriamente do custo de produção da residência. A alta dos preços dos imóveis não foi acompanhada pelos elevação proporcional dos alugueis. Por exemplo, em Ipanema/Leblon se avalia apartamento de dois quartos por R$ 1,2 milhão, mas dificilmente se consegue aluga-lo por R$ 4 mil, ou seja, 0,3% ao mês. O custo de oportunidade dos rentistas leva à perda de capital. O moderno setor de construção tem plena capacidade de construir grande número de apartamentos em edifícios altos por preços muito inferiores aos atingidos, atualmente, pelas moradias em muitas áreas urbanas. Isso deve servir de freio, em médio prazo (cinco anos), à escalada dos preços dos imóveis. Fernando Nogueira da Costa _Os economistas necessitam pesquisar, pois pouco sabem a respeito, o que é chamado por alguns de “Setor Terciário” – o que já demonstraria seu pouco caso sobre o Setor de Serviços, como fosse composto por atividades residuais em relação às agrícolas e industriais. Talvez essa postura seja devido a prolongamento do pensamento econômico do século XVIII, quando o Quadro Econômico dos Fisiocratas, elaborado por Quesnay, colocava o setor primário como o único produtivo. O mundo rodou, o pensamento econômico girou, para ficar anacrônico com o mesmo raciocínio de que produção, de fato, é apenas a material?! Por que não se pode falar em “servindústria” assim como existe “agroindústria”?
Os serviços sustentam crescimento do PIB. Amparado pela força do mercado de trabalho, o setor de serviços passou a puxar o crescimento da atividade econômica nos últimos anos. Com peso de mais de 67% no Produto Interno Bruto (PIB), o segmento mostra dinamismo em conjuntura em que a indústria brasileira padece com a concorrência dos produtos importados e a dificuldade de exportar. Os maiores destaques têm sido os segmentos de serviços de informação (como telefonia e informática) e o de intermediação financeira, seguros e previdência complementar. Qual é o efeito encadeamento desses segmentos na indústria? Quanto usam de equipamentos industriais? Sabe-se, por exemplo, que a “indústria de entretenimento” e a “indústria financeira”, no Brasil, detém a fronteira tecnológica. Para isso, investem, anualmente, bilhões de reais em máquinas e equipamentos. Como repercutem esses investimentos em uma Matriz de Insumo-Produto, ou seja, em efeitos intersetoriais “para trás” e “para frente”? Sustentam quanto da renda? Não se sabe e não se pesquisa. O desemprego baixíssimo e o rendimento em alta impulsionam a demanda por serviços, que praticamente não sofrem com a competição estrangeira, hoje favorecida pela moeda nacional apreciada, como se vê na indústria. Há mudança no perfil da demanda, nos últimos anos, com forte aumento do salário real, que sustenta a expansão dos serviços. Há alteração estrutural que impulsiona os serviços. Há elevação na renda per capita nos grandes centros urbanos, em cenário de desemprego baixo. Isso eleva a demanda por serviços de informação como telefonia e banda larga, assim como a procura por mais crédito e por produtos como Planos de Previdência Complementar. Também ganham alento os chamados outros serviços, que incluem atividades como os serviços prestados às empresas e às famílias, restaurantes, hotéis e clubes. As pessoas viajam mais e comem mais fora de casa. Essa categoria representa quase 15% do valor adicionado da economia, o segundo item do grupo de serviços com maior peso. O primeiro é administração, saúde e educação, serviços predominantemente públicos, com 16,5%. Comércio vem em terceiro, com quase 12%. Ao mesmo tempo em que os serviços tomaram fôlego, a indústria entrou em conjuntura desfavorável. A demanda externa por produtos manufaturados caiu, com o baixo crescimento nos países desenvolvidos, e as importações passaram a incomodar ainda mais, em quadro de câmbio apreciado e em que o Brasil passou a ser um dos países que mais crescem. Evidentemente, todos os non-tradables sectors, isto é, produtores de serviços não transacionáveis no mercado externo dependem, exclusivamente, do mercado interno. Mas se eles são “não comerciais” apenas no comércio exterior, o que se tem de verificar é o andamento dos determinantes internos do crescimento da renda. Eles predominam sobre os externos. Por exemplo, componentes da renda pessoal como salários, dividendos, juros, alugueis, e mesmo a concessão de crédito pessoal têm ainda certo fôlego de sustentar o crescimento. Serão abortados por política econômica recessiva? O setor de serviços ganha importância na economia brasileira em estágio em que o país ainda tem nível médio de renda, ao mesmo tempo em que a indústria perde espaço. Isso também é realidade nos Estados Unidos, mas ele, além de ter nível alto de renda per capita, transferiu boa parte de sua indústria de transformação usuária de mão de obra barata para a Ásia. O desenvolvimento capitalista é desigual e combinado. O capitalismo tardio combina atraso e progresso ao tirar vantagem do seu atraso histórico. Avança, diretamente, para a vanguarda da fronteira tecnológica, em alguns segmentos da sociedade do conhecimento. Salta “etapas” de maneira descontínua. Daí a importância de retomar o debate entre economistas estruturalistas: será que as dificuldades que passaram a afetar com mais força a indústria no pós-crise se devem a determinada conjuntura adversa, mas que não durará para sempre? O Brasil passou a crescer mais que o resto do mundo, o que tornou o mercado brasileiro mais atraente para quem produz manufaturados, em momento em que as economias desenvolvidas vivem passagem histórica muito difícil. Além desse diferencial de crescimento, há elevado diferencial de juros, que atrai mais capital e, com isso, valoriza a moeda nacional, dificultando os negócios de quem exporta ou concorre com importados. Essa situação, ainda que não deva se resolver logo, será que vai se eternizar? Tanto a diferença de crescimento, quanto a de juros, ambas não voltarão a diminuir, melhorando as condições da indústria brasileira? Se esse cenário não se reverter, haverá sim motivos para preocupação. Economistas supõem, sem conhecer bem o setor de serviços, que a indústria é o setor em que há mais ganhos de produtividade, fator fundamental para a determinação da capacidade de crescimento em longo prazo. Entretanto, abriu-se para o País uma “janela de oportunidade histórica” com sua agroindústria, sua indústria de construção civil, sua indústria extrativa mineral, sua indústria de petróleo, seu bônus demográfico, seu mercado interno, seu servindústria. Seremos sempre “viúvas da indústria de transformação”, curtindo um “luto desenvolvimentista”? Fernando Nogueira da Costa _Na Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870), Argentina, Brasil e Uruguai uniram forças contra o Paraguai, vizinho sem acesso ao mar e, comparativamente, com território e população muito menores. Os paraguaios lutaram até que a população foi reduzida ali em 2/3 de um total que antes da Guerra era estimado em 450 mil habitantes. Foi uma catastrófica dizimação de homens, apenas um restou vivo para cada quatro ou cinco mulheres, e a virtual desintegração do Estado, segundo Edgar J. Dosman conta na biografia Raul Prebisch (1901-1986): A Construção da América Latina e do Terceiro Mundo, lançada recentemente.
No final da Guerra, soldados mirins e mulheres paraguaias haviam lutado em Cerro Corá com varas e pedras contra regimentos que usavam espingardas, canhões e metralhadoras Gatling de último tipo para arrasar destacamentos inteiros formados por garotos. No Tratado de Paz imposto ao Paraguai, a Argentina e o Brasil exigiram o equivalente a 10 bilhões de pesos em indemnização, compromissos absurdos que foram cancelados pelos dois países em 1943, setenta anos após o conflito mais catastrófico na América Latina pós-independência. Os livros de História do ensino básico culpam o ditador paraguaio Francisco Solano López por declarar uma guerra a priori perdida contra a Tríplice Aliança. Quaisquer que fossem as origens do conflito, três vizinhos poderosos e de população branca hegemônica, mesmo com a manutenção da escravidão no Brasil até 1888, travaram uma guerra de extermínio contra uma sociedade indígena que resistiu literalmente até o último combatente. Porém, o Paraguai se reconstruiu após a catástrofe. Famílias de várias mulheres com um só homem aos poucos refizeram a população masculina. Disputas entre os vencedores e a subsequente decisão arbitral do presidente dos Estados Unidos deixaram o Paraguai com a metade de seu tamanho inicial. A volta à normalidade ocorreu gradualmente, mas, quando a população retornou ao nível de 1865, a Grande Depressão pós 1929 atingiu o País. Depois, em 9 de setembro de 1932, a Bolívia atacou do leste, com um exército muito maior e mais bem equipado, para tirar do Paraguai a região do Chaco, supostamente rica em petróleo, iniciando a segunda guerra mais sangrenta da história latino-americana. Novamente, o Paraguai lutou sozinho pela sobrevivência, dessa vez conseguindo vencer os invasores com uma campanha brilhante. A poeira semidesértica do Chaco entupiu as armas das tropas bolivianas, enquanto o calor, a seca e as distâncias dificultaram a manutenção de uma linha de fornecimento de suprimentos. Tropas irregulares paraguaias reviveram o espírito de luta da guerra de 1865-1870, enfrentando pelotões bolivianos com facas e, por fim, rechaçando-os de uma das regiões mais hostis do mundo. A guerra terminou em 12 de junho de 1935, deixando o Paraguai com fronteiras que circundavam ¾ do Chaco. O País tinha sofrido mais de 35 mil baixas, 10% da população, com um número ainda maior de feridos. Depois, constatou-se que não havia petróleo na região. Atualmente, Lucas Ferraz (Folha de S. Paulo, 23/08/11) anuncia que, impulsionado pelos impressionantes 15% de crescimento do ano passado, o Paraguai se tornou um polo de empresas maquiladoras na América do Sul com a adoção de sistema que faz a aliança de imposto mínimo e mão de obra barata. O sistema chamado maquila, implementado há dez anos e que atingiu pico de crescimento no ano passado, se desenvolve com o bom crescimento da economia paraguaia e tem atraído inúmeras companhias do Brasil, assim como agiu o México em relação aos Estados Unidos. Já são pelo menos 11 empresas brasileiras ou com capital nacional em atuação no país vizinho. Desde o grupo grande, possuidor de marca bem conhecida, até pequenas empresas instalaram-se no Paraguai e conseguiram reduzir custos. Inspirado no sistema de maquilas do México, que adotou o modelo em meados da década de 90 na esteira da crise econômica que viveu naqueles anos, o sistema paraguaio isenta as empresas de taxas para importar matérias-primas. Toda a produção finalizada no Paraguai deve ser exportada, com exceção de 10%, que podem circular no mercado paraguaio. Essas são as condições do governo para uma empresa ser maquiladora. De imposto é cobrada uma taxa geral de somente 1%. O sistema tem atraído muitas empresas, mas no Brasil “pegou mal”, inclusive o nome. Mas as empresas brasileiras que trabalham com a maquila estão satisfeitas com a redução dos custos. Implementado em 2001, o regime de maquila começou naquele ano com sete empresas, que exportavam o equivalente a US$ 1,2 milhão. No ano passado as cifras bateram recorde: US$ 102 milhões, com 49 empresas registradas no Ministério da Indústria do Paraguai. Metade dos bens exportados vai para países do Mercosul, a maioria para o Brasil. O regime de maquilas permite que uma companhia brasileira contrate uma empresa maquiladora paraguaia, que irá produzir com sua marca e depois exportar para onde a matriz determinar. Segundo informações divulgadas pela imprensa, empresas conseguiram reduzir custos com produção em até 30%, se comparado aos valores do Brasil. A maquila é altamente benéfica para formar cadeias produtivas com planejamento tributário, tendo como foco principalmente o Mercosul. Outro benefício do Paraguai é o custo trabalhista. Os encargos que incidem sobre o salário de um funcionário são de 30% (incluindo férias, 13º e o equivalente ao INSS), enquanto no Brasil o índice chega a 110%. O economista Luiz Carlos Prado utiliza o exemplo chinês de terceirizar para os vizinhos asiáticos a produção de bens industriais mais intensivos em mão de obra, para propor que o Brasil faça o mesmo na América do Sul com países como Paraguai e Bolívia, liderando uma efetiva integração comercial. Ele se pergunta: até que ponto será viável o País adotar uma política industrial tentando integrar os próprios vizinhos? Se não se produz aqui alguns produtos a preços competitivos com os dos chineses, por que não produzir no Paraguai ou na Bolívia? Fernando Nogueira da Costa _Uma nova era cultural foi instalada no mundo, seguindo as manifestações da contracultura americana e europeia na década de 60. O “conflito de gerações” camuflava, inicialmente, um choque cultural mais profundo contra o conservadorismo. Os adversários dos jovens eram todos os reacionários que reagiam contra a evolução social.
A nova concepção filosófica, nascida da contracultura dos anos 60, pressupunha que a condição humana era fundada pela negação da herança natural. A civilização evoluía ao se opor às forças cegas da natureza. Socialmente, nada seria mais parecido com essa livre-natureza do que o livre-mercado. Em um novo mundo civilizado, não haveria mais a necessidade de se dominar pelo pensamento que a essência humana era essencialmente egoísta e imutável. O instinto de sobrevivência (inclusive planetária) poderia predominar, socialmente, sobre os outros instintos primários. Essas duas linhas de pensamento, uma em que predominava o instinto de competição, outra em que dominava o instinto de proteção, possuíam contrastes não só de ideias, mas também de interesses econômicos e de prioridades a respeito da direção a ser seguida pela sociedade. Mas a ideia de que ela era separada por uma ampla linha divisória maniqueísta ignorava o fato de que diversas pessoas ultrapassaram essa linha, de maneira desigual, em níveis diferentes. O conflito de interesses não era, simplesmente, biunívoco, senão essa estrutura social teria sido destruída. No final do milênio, a nova cultura passou a reconhecer o insucesso da tentativa de exterminar o oponente classista, em uma sociedade antagônica. Portanto, construir “novo mundo”, unido pelo instinto de sobrevivência, ou melhor, pela consciência ecológica, seria realização possível – e necessária. Esse pacto social passaria a ser o sonho (real), a alternativa (possível) e a utopia (necessária) no novo milênio. A imaginação no poder significaria construir uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade, inclusive na sua relação com o meio ambiente. Não seria mais um projeto de natureza irrealizável, uma ideia generosa, porém impraticável – “sonhática” e não pragmática. Por ser produto da imaginação, não significaria ter, necessariamente, ausência de consistência ou fundamento real. Essa ficção não seria ilusão, desde que atendesse à necessidade de construção real. Esse modelo idealizado de sociedade foi concebido como crítica à organização social (e ao poder corporativo) existente. Porém, seria inexequível, se não estivesse vinculado à defesa de condições ambientais (naturais e humanas) saudáveis, na realidade concreta. Nasceu então o “movimento ecologista” (ou “ambientalista”) como um projeto alternativo de organização social, capaz de indicar potencialidades realizáveis e concretas, em determinada ordem política constituída, contribuindo desta maneira para sua transformação. Nesse caldo da contracultura, surgiu na Suécia, em 1968, a ideia então vanguardista de fazer uma conferência internacional sobre o meio ambiente. Ela foi efetivamente realizada em Estocolmo, em 1972, ou seja, há quase quarenta anos. Foi pactuado, com a então denominada Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, o “compromisso ecológico” assumido pela geração de 70 e as posteriores. Não por acaso, a Conferência foi realizada na Suécia, que havia sofrido sérios danos em seus lagos, em consequência de chuvas ácidas resultantes da forte poluição atmosférica na Europa Ocidental. A longa história política democrática na Suécia também a justificava. Ela ensejou não só uma melhor qualidade de vida, mas uma cidadania mais avançada, naquele país. Precocemente, em 1917, ministério de coalizão entre liberais e social-democratas assumiu o poder e iniciou reformas sociais, como a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias e a extensão do sufrágio universal às mulheres. O Partido Trabalhista Social Democrático permaneceu no governo, quase ininterruptamente, de 1932 a 1976. O modelo sueco era econômico e político, mas também, e principalmente, societário. Era modelo de ética social, isto é, a ética da absoluta transparência das relações sociais e o ideal da comunicação perfeita. A distinção entre privado e público, na Suécia, era exemplar: havia desvendamento do secreto, desprivatização, gestão pública do privado. O que em outros lugares seria considerado “violação do espaço privado individual” lá era conquista social inarredável. O modelo sueco tinha pretensão de universalidade (pacifismo, ajuda ao Terceiro Mundo, solidariedade social, respeito pelos direitos humanos), no que tem como fundamento ideológico o consenso e a transparência. Ele talvez constituísse a espécie mais evoluída de representação antecipada de nova ordem social. A Conferência de Estocolmo foi o evento que colocou o meio ambiente no foco das preocupações internacionais. Desde então, o modo de vida planetário, organizado através de economia de mercado, onde predominam apenas os interesses das grandes corporações transnacionais, virou alvo de avaliação crítica. Seu poder de destruição do meio ambiente passou a sofrer constantes denúncias de cientistas e cidadãos preocupados com a vida humana. Ecologia Política não trata apenas da relação dos seres humanos com o meio ambiente, mas também entre si, p.ex., temas como igualdade de gêneros, diversidade sexual ou homofobia, política afirmativa contra o racismo, etc., entram em pauta. A elevação desse tipo de consciência ecológica dos membros dessas corporações leva às mudanças no sentido da adoção de auto-regulação, antes que legislações draconianas sejam impostas. A gestão empresarial que tenha como referência apenas os interesses dos acionistas (shareholders) revela-se insuficiente no novo contexto. Ele requer gestão balizada pelos interesses e contribuições de conjunto maior de partes interessadas (stakeholders), isto é, trabalhadores, consumidores, cidadãos. A busca de excelência por empresas necessita assumir como objetivos a qualidade nas relações interpessoais internas e a sustentabilidade econômica, social e ambiental. Fernando Nogueira da Costa __Ao mecanismo de contratos virtuais sucessivos na determinação dos preços de equilíbrio, Léon Walras deu o nome de tâtonnement, traduzido por “tateio”. Tateio significa o ato de deduzir ou perceber por intuição, indagar, sondar para descobrir; pesquisar; fazer a experiência de; ensaiar; examinar, procedendo com cautela. Expressa bem a postura que deveria ser adotada por economistas quando se pronunciassem sobre configuração de preços relativos básicos. Na realidade, é impossível se atingir aquela situação idealizada – o equilíbrio geral –, talvez nem de maneira transitória, ou seja, de passagem, temporariamente.
Ao popularizarem aquela noção de aproximações sucessivas, os seguidores neoclássicos de Walras criaram a figura metafórica do “leiloeiro walrasiano”, cujo papel seria o de promover o reajuste dos preços com base nos contratos virtuais, só permitindo que as transações efetivamente se realizassem aos preços de equilíbrio. De acordo com os neoliberais, são o governo e as instituições que interveem no trabalho desse “sujeito” e não lhe deixam entregar o equilíbrio geral idealizado. As falhas são exógenas ao mercado. Pois bem, no Brasil, aplicando esse modelo abstrato à realidade, de maneira canhestra, alguns economistas se propõem a substituir o “leiloeiro walrasiano” ao levantarem a Hipótese do Duplo Equilíbrio. “Outro mundo é possível”: basta consultá-los a respeito de novo acerto de dois preços básicos, câmbio e juro, que o sistema de preços relativos se ajustará em novo equilíbrio. Sair-se-á do “equilíbrio perverso” atual, que prejudica a exportação da indústria de ponta, ao “equilíbrio bondoso” externo (balanço de pagamentos) e interno (pleno emprego e inflação sob controle): fantástico, não? Em economia aberta, de acordo com a síntese neoclássica, além do equilíbrio no mercado de bens e serviços e no mercado de dinheiro, haveria mais uma condição de equilíbrio: a do balanço de pagamentos. Nesse caso, não haveria nem entradas nem saídas líquidas de divisas, e o mercado de câmbio estaria em equilíbrio. A renda é um dos fatores determinantes do balanço de transações correntes, isto é, ele depende da diferença entre ritmos de crescimento da economia nacional e da economia do “resto do mundo”, e a taxa de juros é um dos fatores determinantes da conta de capital. Portanto, dadas a taxa de juros internacional e a taxa de câmbio real, determinante da competividade externa do País, o equilíbrio do balanço de pagamentos é determinado por certa combinação do nível de renda e da taxa de juros básica. Para nível estável de exportação, a elevação da renda resulta em déficit de balanço de transações correntes. Para financiá-lo, recorre-se à elevação da taxa de juros interna a patamar acima da internacional até que a entrada líquida de capital (superávit de conta capital) compense, exatamente, o déficit de balanço de transações correntes. Por isso, a relação entre a renda e a taxa de juros é crescente. A grande síntese entre o modelo de equilíbrio geral walrasiano e os circuitos neo-keynesianos, apresentados pelo Modelo Mundell-Fleming para representar economia aberta, está na escolha entre endogeneidade ou exogeneidade da taxa de câmbio. No caso de regime de câmbio fixo, ele é determinado de maneira exógena, a oferta de moeda torna-se endógena, isto é, determinada pelas forças do mercado, e a política monetária, portanto, inoperante. No caso de regime de câmbio flexível, a taxa de câmbio é determinada endogenamente pelo mercado. A política monetária passa, então, a operar via fixação da taxa de juros. O modelo brasileiro atual seria próximo deste com forte mobilidade de capital. Caso diminuísse a disparidade do juro interno face ao externo, o investimento aumentaria e a renda multiplicaria, provocando aumento da importação e tendência ao déficit do balanço de transações correntes. A queda do juro interno atrairia menos capital estrangeiro, provocando tendência ao déficit na conta de capital e, portanto, as duas tendências resultariam em déficit no balanço de pagamentos. A depreciação da moeda nacional elevaria a competitividade externa e corrigiria o balanço comercial até determinado ponto em que o mercado de bens e serviços, o de dinheiro e o de câmbio estariam em equilíbrio. Por que, na realidade, não ocorre isso? Porque os fixadores da taxa de juros (membros do COPOM do Banco Central do Brasil) supõem que o ritmo de crescimento da economia que equilibra o balanço de transações correntes é menor do que o que alcança ao pleno emprego. Quando ultrapassou este produto potencial, pressionou a inflação. Em outras palavras, eles tateiam na fixação do juro, enfrentando o dilema de país estruturalmente deficitário: escolher entre déficit externo, inflação ou desemprego. Se diminui este, aumentam aqueles. O que alguns economistas desenvolvimentistas estão propondo? Estes pós-keynesianos neowalrasianos adotam a “hipótese do duplo equilíbrio“: um observado (câmbio corrente e Selic-meta) e outro potencial com câmbio fixado mais alto, para o equilíbrio industrial, juro livre para cair, e controle de capital, inclusive na saída. Porém, nesse caso, política fiscal expansionista seria menos eficaz, porque, caso a afrouxasse, o crescimento da economia expandiria a importação, mas, antes, a elevação do juro pela necessidade de endividamento público, embora elevasse o cupom cambial, não reverteria a expectativa negativa dos investidores estrangeiros. Predominaria a tendência ao déficit externo, queda de reservas cambiais na tentativa de manter a moeda nacional depreciada, e consequente contração monetária. O equilíbrio nos mercados só ocorreria, depois, com menor nível de renda e taxa de juros mais elevada. Infortunadamente, a expansão monetária com mobilidade fraca de capital, em regime de câmbio fixo, também seria ineficaz. Elevaria a importação e o repatriamento de capital estrangeiro, provocando déficit no balanço de pagamentos, queda das reservas cambiais e, afinal, contração monetária, contrapondo-se àquela expansão inicial. Por isso, seria necessária a cautela por parte dos economistas, quando se pronunciassem sobre configuração de preços relativos básicos. Fernando Nogueira da Costa Na nossa infância, detestamos ouvir esta expressão imperativa: “cresça e apareça!” Inelutavelmente, seguimos o melhor conselho que Nelson Rodrigues dava aos jovens: “envelheçam”… E passamos a entender o desafio de crescer.
Essas “profundas” reflexões me ocorreram enquanto eu escutava os líderes comunitários, os velhos combativos e os jovens militantes, no II Workshop sobre Pesquisas em Favela, no dia 15 de setembro de 2011, no Auditório do BNDES. Fiquei com a impressão que os métodos de luta do movimento social (vitimização-mobilização-denúncia-loteamento político) estão anacrônicos em relação ao contexto atual. Em sua “infância”, isto é, nos tempos de organização da ação coletiva para lutar contra a ditadura e reivindicar políticas públicas para a comunidade favelada, a palavra-de-ordem era “mobilização”. A revolução permanente de Trotsky foi reformada para a missão de “mobilizar as bases”. A ideia-chave do “basismo” era a chamada Teoria da Escadinha, passo a passo, degrau por degrau, de maneira pulverizada, mas abrangente, passar-se-ia da luta local na comunidade por meio da associação de moradores, para o bairro, a cidade, o estado, o país e, oxalá, do âmbito nacional para o universal. Esse foi o modelo de formar núcleos de base para organizar o PT, após as históricas lutas sindicais no ABC paulista, há 32 anos. Eu mesmo, lendo sobre a ideia do Lula, tomei a livre iniciativa de propor a alguns colegas de trabalho (“companheiros”) organizarmos o Núcleo de Economistas do Rio de Janeiro. Foi uma das primeiras categorias profissionais a se mobilizar, antes mesmo da fundação oficial do partido em janeiro de 1980 no Colégio Sion em São Paulo. Rodei o Rio em campanha por essa “missão”, aliás, com plena convicção política. O tempo passou, o PT alcançou o poder federal há nove anos. Invertemos a letra de “Ideologia” do Cazuza: “Meu partido É um coração partido E as ilusões Estão todas perdidas Os meus sonhos Foram todos vendidos Tão barato Que eu nem acredito Ah! eu nem acredito… Que aquele garoto Que ia mudar o mundo Mudar o mundo Frequenta agora As festas do “Grand Monde”… Meus heróis Morreram de overdose Meus inimigos Estão no poder Ideologia! Eu quero uma pra viver”. Eu diria, hoje, que meus companheiros estão no poder. Amigos a gente escolhe, companheiros não. Mas em que isso muda a antiga tática de luta da eterna mobilização popular? Irei estender minha reflexão com exemplo que ilustra a necessidade de evolução, eu não digo revolução. É provocação para o debate. “Democracia da casa própria” é modelo universal? Aprendi em viagem por convênio do governo francês com o brasileiro que na França o modelo é o da locação social. O cidadão tem direito de acesso à moradia, desde que pague arrendamento, mas não à propriedade privada de habitação, financiada pelo Estado com subsídio, isto é, taxa de juros abaixo da estabelecida no mercado. Porém, o modelo norte-americano da propriedade particular grassou não só pelos países anglo-saxões como também pela América Latina. Ficou conhecida a hipótese do economista peruano Hernando de Soto: os moradores das favelas sem escritura estariam sem garantia ou colateral para empréstimo e, logo, sem crédito hipotecário. Nesse encadeamento, estariam também sem dinheiro para alavancar negócio próprio. Sua hipótese era “dar vida a capital-morto”: com escrituras eles se tornariam donos de suas casas e, daí, microempreendedores. Infelizmente, essa hipótese neoliberal foi falseada na crise corrente. O comprometimento de grande parte da renda pessoal com o financiamento da casa própria levou aos devedores ficarem sem novos empréstimos e pior: com risco de mercado (perda de valor) e liquidez (dificuldade de venda do imóvel). O lugar-comum “sonho da casa própria” exige longo endividamento dos donos de imóvel, cujo valor de mercado pode cair ao longo do tempo, tornando-se inferior ao saldo devedor. É investimento inseguro e ilíquido. O problema do crédito hipotecário é que o imóvel dá segurança ao credor, mas hipoteca provoca endividamento em longo prazo. Sujeita, então, o devedor às agruras da inadimplência com a perda de ocupação (ou emprego) e renda para cumprir o serviço da dívida. Em termos de política pública para favelas, o “jeitinho brasileiro”, via Construcard da Caixa, é muito mais criativo (e humanista) do que a política de despejos domiciliar dos norte-americanos. Além da segurança em relação às remoções, conquistada na democracia brasileira, uma das políticas públicas que colaboraram para substituição de barracos provisórios por edificações mais sólidas e perenes foi a de facilitar a aquisição de materiais de construção, para reformar ou ampliar a casa, aliás, sob intensa crítica do setor imobiliário formal. Os trabalhadores informais brasileiros contam com até seis meses para fazer as compras por meio do cartão de débito personalizado, em lojas conveniadas, e, neste período, pagar somente os juros dos valores utilizados. Após o período destinado para as compras, têm até 54 meses para pagar as prestações do financiamento com a facilidade do débito na conta corrente. Recentemente, a ideia dominante no Governo Dilma passou a ser a do apoio à iniciativa individual, com ênfase em programas de concessão de microcrédito, para tocar o próprio negócio, organizado de maneira espontânea – ou via movimento social? Este teria de dar um salto de qualidade. A favela é vista, então, como zona potencial de microempreendedorismo. Ele se firmando, espera-se que se multiplicarão a renda, as ocupações profissionais e as benfeitorias (arruamento, saneamento, iluminação pública, etc.) para os moradores das favelas. Elas se transformariam, assim, em bairros populares. Microcrédito produtivo orientado (MPO) é panaceia? Assim como se comprovou que o crédito hipotecário não gera enriquecimento, o MPO – grupo de aval solidário mais endividamento de mulheres empreendedoras pobres mais educação financeira – não pode ser visto, obviamente, como “a solução mágica” para acabar com a pobreza. É necessário, mas não é suficiente. Para qualquer devedor não passar por fragilidade financeira, é necessária a manutenção (ou a queda) da relação dívida / renda real, ao longo do tempo, inclusive para os trabalhadores informais NINJA (No Income, No Job or Asset): sem renda, sem emprego e sem teto: este é o desafio! Fernando Nogueira da Costa |